Por Venício A. de Lima
Em audiência pública na Comissão de Ciência & Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, realizada em 12 de dezembro último, o presidente da Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom), Renato Rovai, defendeu que 30% das verbas publicitárias do governo federal sejam destinadas às pequenas empresas de mídia.
Dirigentes da Altercom também estiveram em audiência com a ministra da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom-PR), Helena Chagas, para tratar da questão da publicidade governamental.
Eles argumentam que o investimento publicitário em veículos de pequenas empresas aquece toda a cadeia produtiva do setor. Quem contrata a pequena empresa de assessoria de imprensa, a pequena agência publicitária, a pequena produtora de vídeo, são os veículos que não estão vinculados aos oligopólios de mídia.
Além disso, ao reivindicar que 30% das verbas publicitárias sejam dirigidas às pequenas empresas de mídia, a Altercom lembra que o tratamento diferenciado já existe para outras atividades, inclusive está previsto na própria lei de licitações (Lei nº 8.666/1993).
Dois exemplos:
1.Na compra de alimentos para a merenda escolar, desde a Lei nº 11.947/2009, no mínimo 30% do valor destinado por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar, do Fundo de Desenvolvimento da Educação, do Ministério da Educação, gestor dessa política, deve ser utilizado na aquisição “de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas”.
2. No Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), destinado ao desenvolvimento da atividade audiovisual, criado pela Lei nº 11.437/2006 e regulamentado pelo Decreto nº 6.299/2007, a distribuição de recursos prevê cota de participação para as regiões onde o setor é mais frágil. Do total de recursos do FSA, 30% precisam ser destinados ao Norte, Nordeste e Centro Oeste. Vale dizer, não se podem destinar todos os recursos apenas aos estados que já estão mais bem estruturados (ver aqui, acesso em 11/1/2013).
A regionalização das verbas oficiais
A reivindicação da Altercom é consequência da aparente alteração do comportamento da Secom-PR em relação à chamada mídia alternativa.
A regionalização constitui diretriz de comunicação da Secom-PR, instituída pelo Decreto n° 4.799/2003 e reiterada pelo Decreto n° 6.555/ 2008, conforme seu art. 2°, X:
“Art. 2º – No desenvolvimento e na execução das ações de comunicação previstas neste Decreto, serão observadas as seguintes diretrizes, de acordo com as características da ação:
“X – Valorização de estratégias de comunicação regionalizada.”
Dentre outros, a regionalização tem como objetivos “diversificar e desconcentrar os investimentos em mídia”.
De fato, seguindo essa orientação a Secom-PRtem ampliado continuamente o número de veículos e de municípios aptos a serem incluídos nos seus planos de mídia. Os quadros abaixo mostram essa evolução.
Trata-se certamente de uma importante reorientação histórica na alocação dos recursos publicitários oficiais, de vez que o número de municípios potencialmente cobertos pulou de 182, em 2003, para 3.450, em 2011, e o número de veículos de comunicação que podem ser programados subiu de 499 para 8.519, no mesmo período.
Duas observações, todavia, precisam ser feitas.
Primeiro, há de se lembrar que “estar cadastrado” não é a mesma coisa que “ser programado”. Em apresentação que fez na Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), São Paulo, em 16 de julho de 2009, o ex-secretário executivo da Secom-PR Ottoni Fernandes Júnior, recentemente falecido, citou como exemplo de regionalização campanha publicitária em que chegaram a ser programados 1.220 jornais e 2.593 emissoras de rádio – 64% e 92%, respectivamente, dos veículos cadastrados.
Segundo e, mais importante, levantamento realizado pelo jornal Folha de S.Paulo, a partir de dados da própria Secom-PR, publicado em setembro de 2012, revela que nos primeiros 18 meses de governo Dilma Rousseff (entre janeiro de 2011 e julho de 2012), apesar da distribuição dos investimentos de mídia ter sido feita para mais de 3.000 veículos, 70% do total dos recursos foram destinados a apenas dez grupos empresariais (ver “Globo concentra verba publicitária federal”, CartaCapital, 13/9/2012, acesso em 12/1/2013).
Vale dizer, o aumento no número de veículos programados não corresponde, pelo menos neste período, a uma real descentralização dos recursos. Ao contrário, os investimentos oficiais fortalecem e consolidam os oligopólios do setor em afronta direta ao parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição Federal de 1988, que reza:
“Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de oligopólio ou monopólio”.
Democracia em jogo
A mídia alternativa, por óbvio, não tem condições de competir com a grande mídia se aplicados apenas os chamados “critérios técnicos” de audiência e CPM (custo por mil). A prevalecerem esses critérios, ela estará sufocada financeiramente, no curto prazo.
Trata-se, na verdade, da observância (ou não) dos princípios liberais da pluralidadee da diversidadeimplícitos na Constituição por intermédio do direito universal à liberdade de expressão, condição para a existência de uma opinião pública republicana e democrática.
Se cumpridos esses princípios (muitos ainda não regulamentados), o critério de investimentos publicitários por parte da Secom-PR deve ser “a máxima dispersão da propriedade” (Edwin Baker), isto é, a garantia de que mais vozes sejam ouvidas e participem ativamente do espaço público.
Como diz a Altercom, há justiça em tratar os desiguais de forma desigual e há de se aplicar, nas comunicações, práticas que já vêm sendo adotadas com sucesso em outros setores. Considerada a centralidade social e política da mídia, todavia, o que está em jogo é a própria democracia na qual vivemos.
Não seria essa uma razão suficiente para o governo federal apoiar a mídia alternativa?
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[Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no Departamento de Ciência Política da UFMG (2012-2013), professor de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros]
Emir Sader
A imprensa brasileira está sob risco de desaparição e, de imediato, da sua redução à intranscendência, como caminho para sua desaparição.
Mas, ao contrário do que ela costuma afirmar, os riscos não vem de fora – de governos “autoritários” e/ou da concorrência da internet. Este segundo aspecto concorre para sua decadência, mas a razão fundamental é o desprestígio da imprensa, pelos caminhos que ela foi tomando nas ultimas décadas.
No caso do Brasil, depois de ter pregado o golpe militar e apoiado a ditadura, a imprensa desembocou na campanha por Collor e no apoio a seu governo, até que foi levada a aderir ao movimento popular de sua derrubada.
O partido da imprensa – como ela mesma se definiu na boca de uma executiva da FSP – encontrou em FHC o dirigente politico que casava com os valores da mídia: supostamente preparado pela sua formação – reforçando a ideia de que o governo deve ser exercido pela elite -, assumiu no Brasil o programa neoliberal que já se propagava na América Latina e no mundo.
Venderam esse pacote importado, da centralidade do mercado, como a “modernização”, contra o supostamente superado papel do Estado. Era a chegada por aqui do “modo de vida norteamericano”, que nos chegaria sob os efeitos do “choque de capitalismo”, que o país necessitaria.
O governo FHC, que viria para instaurar uma nova era no país, fracassou e foi derrotado, sem pena, nem glória, abrindo caminho para o que a velha imprensa mais temia: um governo popular, dirigido por um ex-líder sindical, em nome da esquerda.
A partir desse momento se produziu o desencontro mais profundo entre a velha imprensa e o país real. Tiveram esperança no fracasso do Lula, via suposta incapacidade para governar, se lançaram a um ataque frontal em 2005, quando viram que o governo se afirmava, e finalmente tiveram que se render ao sucesso de Lula, sua reeleição, a eleição de Dilma e, resignadamente, aceitar a reeleição desta.
Ao invés de tentar entender as razoes desse novo fenômeno, que mudou a face social do pais, o rejeitou, primeiro como se fosse falso, depois como se se assentasse na ação indevida e corruptora do Estado. A velha mídia se associou diretamente com o bloco tucano-demista até que, se dando conta, angustiada, da fragilidade desse bloco, assumiu diretamente o papel de partido opositor, de que aqueles partidos passaram a ser agregados.
A velha mídia brasileira passou a trilhar o caminho do seu suicídio. Decidiu não apenas não entender as transformações que o Brasil passou a viver, como se opor a elas de maneira frontal, movida por um instinto de classe que a identificou com o de mais retrogrado o pais tem: racismo, discriminação, calunia, elitismo.
Não há mais nenhuma diferença entre as posições da mídia – a mesma nos principais órgãos – e os partidos opositores. A mídia fez campanha aberta para os candidatos à presidência do bloco tucano-demista e faz oposição cerrada, cotidiana, sistemática, aos governos do Lula e da Dilma.
Tem sido a condutora das campanhas de denúncia de supostos casos de corrupção, tem como pauta diária a suposta ineficiência do Estado – como os dois eixos da campanha partidária da mídia.
Certamente a internet é um fator que acelera a crise terminal da velha mídia. Sua lentidão, o fato de que os jovens não leem mais a imprensa escrita, favorece essa decadência.
Mas a razão principal é o suicídio politico da velha mídia, tornando-se a liderança opositora no pais, editorializando suas publicações do começo ao final, sendo totalmente antidemocráticas na falta de pluralismo sequer nas paginas de opinião, assumindo um tom golpista histórico na direita brasileira.
Caminha assim inexoravelmente para sua intranscendência definitiva. Faz campanha, em coro, contra o governo da Dilma e contra o Lula, mas estes tem apoio próximo aos 80%, enquanto irrisórias cifras expressam os setores que assimilam as posições da mídia.
Uma pena, porque a imprensa chegou a ter, em certos momentos, papel democrático, com certo grau de pluralidade na história do pais. Agora, reduzida a um simulacro de “imprensa livre”, ancorada no monopólio de algumas famílias decadentes, caminha para seu final como imprensa, sob o impacto da falta de credibilidade total. Uma morte anunciada e merecida.
Marilza de Melo Foucher*
A centralização da mídia leva à cartelização do conteúdo
No Brasil ainda estamos longe desta realidade. A história da imprensa se confunde com a história das oligarquias regionais, que apenas foram se modernizando. Todavia, pensava-se que com o avanço da democracia brasileira e a chegada de governantes progressistas, os meios de comunicação seriam democratizados e regulamentados, no sentido de garantir sua pluralidade.
Logicamente, para os que açambarcaram os veículos e o mercado dos meios de comunicação a tentativa de regulamentação é associada como uma ameaça à liberdade de expressão. Em nenhuma ocasião, eles vão pensar no interesse público e coletivo, do qual usufruir do pluralismo é também uma conquista da democracia. O que é normal num país que viveu mais de duas décadas sob a ditadura. É normal que até hoje muitos brasileiros lutem pela democratização dos meios de comunicação.
Como aceitar que a democracia brasileira se consolide e que continue a conviver com uma espécie de coronelismo mediático, que usa e abusa do poder de concentração? Esta é uma questão que poderíamos fazer aos dirigentes e políticos brasileiros.
Entretanto, na Constituição Brasileira de 1988, ela define no capitulo § 5 que "os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Todavia, basta consultar os estudos realizados recentemente sobre este assunto para verificar que a própria constituição é por vezes usurpada.
A mídia conservadora é muito unida
A concentração dos meios de comunicação os colocam nas mãos de poucos. O Grupo Abril e o Grupo Globos e sentem intocáveis e assumem sem complexo o controle absoluto de quase todos os veículos de comunicação. Abril controla 74 veículos, entre revistas, o canal MTV, internet e a TVA, a cabo, em parceria estratégica com a Telefônica. O Grupo Globo lidera o Sistema Central de Mídia Nacional e, desde 1965, mantém seus associados regionais, são 35 grupos ligados à rede. No total eles controlam 340 veículos de comunicação.
O poder mediático de que a Globodispõe é enorme, graças às 3.305 redes de transmissão de TV (RTVs). O grupo Globomantém parceria em todos os Estados brasileiros o que permite um enorme controle do conteúdo das informações. Além da televisão, são 33 jornais, 52 rádios (AM) 76 (FM), 27 revistas, 105 emissoras de TV, 17 canais e nove operadoras. Além disso, a Rede Brasil Sulde Comunicação, é afiliada da Globo, é a terceira maior organização de mídia privada do país, com 57 veículos, entre jornais, rádios (21 emissoras), TV (18 emissoras) e 259 retransmissoras.(1)
Estes mesmos grupos compactuaram com a ditadura e aproveitaram do apoio de seus governos para instalar o império do Quarto Poder. Estes grupos do Quarto Poder, até hoje, têm dificuldades de aceitar a conquista da cidadania política brasileira. Muitos dos cidadãos e cidadãs brasileiros conseguiram entender alguns processos de manipulações da opinião publica, hoje estão emancipados das estratégias de comunicação posta em pratica pelos dois grandes grupos e seus aliados.
A grande mídia brasileira na realidade se diz autônoma, imparcial com relação os poderes. Muitos jornais fazem uso de uma prática deliberada de induzir os leitores, ocultar e fragmentar os fatos, de maneira a desfazer e recriar o mundo à sua maneira, criam os famosos "buzzs” com o objetivo de criar um ruído entre os leitores para deformar a realidade ou ocultá-la.
A prova do avanço da cidadania política no Brasil é que a grande mídia foi derrotada por três vezes consecutivas, apesar de dispor de um vasto domínio mediático espalhado em todos os rincões do Brasil. O padrão Globo pensava ser imbatível. Assim como a revista Veja, da Rede Abril, seus jornais e afiliados funcionam como verdadeiros aparelhos de propaganda contra os governos legitimamente eleitos.
Além da concentração do poder midiático, existem certas aberrações não dignas da República brasileira. Alguns deputados, senadores, governadores, prefeitos, vereadores detêm participação, ou são proprietários de meios de comunicação, ferindo os princípios republicanos. Até hoje, pouco se faz para impedir que estes políticos sejam enquadrados na Lei por violação constitucional.
Como garantir a pluralidade dentro deste contexto?
Numa República democrática, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário não são infalíveis, daí o exercício da cidadania política nos dar o direito do controle social. Os jornalistas são, acima de tudo cidadãos. Ao atuar profissionalmente nos meios de comunicação, eles exercem um papel importante na vigilância contra as derivas e abuso de poder. Não devemos nos esquecer que cada cidadão tem sua parte de responsabilidade em certos desvios republicanos.
Na jovem democracia brasileira, os jornalistas deveriam estar atentos sobre qualquer forma de violação de direitos e abusos de poder. Eles deveriam ser os primeiros a defender a pluralidade. Certamente, estariam dando uma excelente contribuição na consolidação da democracia no Brasil. Além disso, teriam um leque maior de opções profissionais e poderiam exigir melhores salários e melhores condições para exercer, de modo independente, um verdadeiro jornalismo. Aquele jornalismo imparcial que provoca o verdadeiro debate, que analisa, contextualiza e coloca a nu certas contradições, cujo conteúdo leva o leitor a refletir sobre sua realidade.
Infelizmente, nesses últimos anos, o debate político no Brasil perdeu o brilho da racionalidade que exige a boa análise. As cenas de desrespeito republicano passaram a ser marcantes. As duas últimas campanhas presidenciais disputadas pelo presidente Lula foram de grande violência verbal, nunca se viu tanto racismo, tanta discriminação, tanto ódio na boca e nos escritos de certos políticos e jornalistas. Este tipo de politicagem é perverso para a democracia e nada acrescenta à educação do povo brasileiro. A grande Nação Brasileira merece que o jornalismo seja praticado dentro do rigor intelectual necessário.
O comportamento dos donos dos meios de comunicação nas últimas décadas de democratização deixa muito a desejar. Chega a dar impressão de querer forjar uma democracia de opinião capaz de influenciar no processo eleitoral. Essa grande mídia esquece que o exercício do poder supremo é originado da vontade popular. É interessante observar o modo como ela agiu, durante as campanhas presidenciais de Lula e de Dilma. A posição do presidente da Associação Nacional dos jornais (ANJ) foi esclarecedora ao admitir, publicamente em março de 2010 que, tendo em vista a fragilidade dos partidos de oposição, a imprensa estava fazendo, de fato, a oposição ao governo.
A sociedade civil organizada começa, ainda que timidamente, a protestar contra o cartel dos meios de comunicação
Este papel de oposição era notório. Todavia, a partir desta declaração, a ANJ oficializou os governos de Lula e Dilma como adversários. Com este tipo de comportamento, a grande mídia sai fragilizada, pois não é o papel da imprensa de liderar as massas, exceto se ela quer ser governo e eliminar os partidos políticos.
Nem tampouco é papel do governo entrar no jogo da provocação, afinal, ele deve garantir a livre expressão de todos. O interesse público, no entanto, assim como as boas regras do comportamento republicano, deve predominar dos dois lados. O governo não deve ceder à pressão dos donos da mídia e, urgentemente, organizar o funcionamento do espaço nacional de Comunicação Social para obter um melhor equilíbrio, a fim de garantir a pluralidade que determina a Constituição brasileira.
Este espaço deve ser mais representativo de diversos grupos sociais. Talvez esta seja uma das últimas conquistas para consolidar a jovem democracia brasileira.
Somente a democratização dos meios de comunicação permite a livre confrontação de ideias.
1 - Ver site Donos da Mídia eTese de James Görgen – Sistema Central de Mídia- UFRGS – 2009).
*Economista, jornalista e correspondente do Correio do Brasil em Paris
Artigo Publicado originalmente na Adital
Por Jonas Valente
“E qual você acha que deve ser o compromisso do novo Governo?”. A pergunta foi feita pelo então coordenador da campanha presidencial de Luís Inácio Lula da Silva em 2002, Antônio Palocci, a João Roberto Marinho, herdeiro do império das Organizações Globo, em uma discussão sobre o esboço do que viria a ser conhecido como Carta aos Brasileiros. O documento selou uma série de compromissos do governo Lula com a burguesia nacional e internacional, incluídos aí os conglomerados de mídia.
A relação da gestão de Lula com o setor não foi estabelecida apenas no âmbito programático. Logo no início da primeira gestão, em 2003, setores dentro do Palácio do Planalto cogitaram patrocinar um programa de socorro aos grupos de comunicação que estavam em sérias dificuldades financeiras depois de terem contraído empréstimos em dólar. Esse custo ficou alto demais após a crise do real do final dos anos 1990. O “proer da mídia” (uma referência ao programa de ajuda aos bancos promovido pelo governo FHC) não foi para frente, mas o entendimento de que seria possível e desejável uma relativa cooperação com os grupos de mídia floresceu nos corredores da Esplanada.
Já o Ministério das Comunicações (Minicom), no xadrez da composição partidária, terminou nas mãos do PDT. O partido indicou a atual deputado carioca Miro Teixeira (PDT) para o comando da pasta. A gestão teve forte influência do sindicalismo da área das telecomunicações. A equipe chegou a esboçar novas diretrizes para as políticas de telecomunicações, mas não tocou na estrutura do modelo excludente que emergiu da privatIzação do sistema Telebrás.
Influenciado por uma visão de fomento à pesquisa e ao desenvolvimento nacionais, a gestão de Miro Teixeira formulou o Decreto 4.901/2003, que estabeleceu diretrizes para a implantação do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (SBTVD-T). Além de fixar objetivos inclusivos, na prática a norma estabeleceu um programa de pesquisa para estimular que universidades desenvolvessem soluções brasileiras para esta nova plataforma.
Para a Globo
No entanto, após o estouro da crise do mensalão, a ampliação do espaço do PMDB na Esplanada atingiu o Minicom com a nomeação de Eunício Oliveira. Com uma gestão apagada, o hoje senador cearense foi substituído pelo ex-repórter da Rede Globo e então senador por Mina Gerais e representante dos interesses do empresariado de mídia no Congresso, Hélio Costa. A entrada dele marcou a ocupação orgânica de um quadro ligado aos conglomerados de mídia no órgão central das políticas de comunicação no governo Lula.
Costa chegou com uma missão clara: desenrolar a implantação da TV Digital no país de acordo com os interesses dos radiodifusores. E foi exatamente o que fez. Em pouco tempo, desarticulou o programa de pesquisa promovido por Miro Teixeira e serviu como patrocinador do padrão japonês. Este era defendido pelos radiodifusores por manter o mesmo modelo de ocupação de canais da tecnologia analógica, impedindo o uso da nova plataforma para ampliar o número de emissoras.
Sem novidades e sendo uma versão melhorada da velha TV analógica, a TV digital se constituiu como um caso de fracasso no país. Embora essa nova tecnologia já esteja disponível para 45% da população, segundo o Fórum Sistema Brasileiro de TV Digital, ela só ganhou penetração depois que uma decisão do governo federal exigiu que televisores acima de 32 polegadas incluíssem o conversor digital necessário para captar o sinal digital.
Além de garantir seus interesses na definição do SBTVD, os radiodifusores conseguiram dinamitar iniciativas que poderiam ter impactos democratizantes importantes na área. A primeira foi a tentativa de transformar a Agência Nacional de Cinema (Ancine) em Agência Nacional do Audiovisual (Ancinav). A segunda foi o projeto de criação do Conselho Federal de Jornalistas (CFJ). Após intenso bombardeio dos veículos comerciais, nenhuma das duas propostas foi para frente.
Durante a primeira gestão de Lula, houve dois esforços para atacar um dos maiores desafios do setor: analisar todos os pedidos de outorgas de rádios comunitárias e desburocratizar o processo. Dois grupos de trabalho foram criados para buscar soluções para estes problemas, mas nenhum deles ensejou mudanças concretas nos procedimentos voltados a estas emissoras. Ao contrário, a partir da segunda gestão de Lula e durante o governo Dilma, as estações comunitárias sem licença continuaram sendo duramente reprimidas pela Polícia Federal e pela Agência Nacional de Telecomunicações. A gestão atual do Minicom piorou a condição dessas emissoras ao publicar a Norma nº 1 de 2011, que amplia as exigências burocráticas para a solicitação de autorização e restringe o já limitado mecanismo de financiamento dessas rádios: o apoio cultural.
Um escorpião
Nas eleições de 2006, mesmo após o governo ter atendido aos interesses dos radiodifusores em relação ao modelo de TV Digital, os conglomerados de mídia evidenciaram a “natureza de escorpião” oposicionista. A cobertura do escândalo que envolvia a suposta compra de um dossiê para prejudicar o então candidato ao governo de São Paulo, José Serra, chegou a um tal grau que o Jornal Nacional omitiu o acidente do vôo 1907 da Gol que deixou 154 mortos às vésperas do primeiro turno em detrimento da falsa denúncia.
A ofensiva não impediu a reeleição de Lula. A postura oposicionista aberta dos conglomerados foi um ‘tapa na cara’ do governo e provocou algumas tímidas reações. A primeira reação foi talvez a mais importante da gestão de Lula na área: a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) a partir da fusão da Radiobrás e da TVE do Rio de Janeiro. O projeto previa a constituição de veículos públicos de comunicação, entre eles a emergente TV Brasil, em contraposição à comunicação estatal que era feita pelas duas estruturas incorporadas na fusão. Um Conselho Curador foi criado com a presença majoritária de integrantes da sociedade (15 dos 22 membros), mas o método de indicação permaneceu limitado às indicações do Presidente da República.
Hoje a EBC mantém três emissoras (entre elas a TV Brasil, que possui 10 geradoras próprias e chega a 25 Unidades da Federação por meio dos serviços de cabo, satélite, além da parceria com TVs educativas estaduais), um portal, uma agência na Internet, oito rádios e uma radioagência. Apesar de ainda ter audiência baixa, que varia em média entre 0,3 e 0,8 de share, a TV Brasil e os veículos da EBC se constituíram em importante referência de uma comunicação diferenciada e que retrata a diversidade brasileira.
Um importante projeto que poderia impulsionar não apenas a EBC mas garantir a presença de outras emissoras do campo público no sinal digital aberto (como Câmara, Senado, Justiça, além das comunitárias e universitárias) seria a implantação de uma estrutura conjunta de transmissão nessa tecnologia, chamada de Operador de Rede. No entanto, o projeto patina e ainda não foi aprovadopela Presidência da República.
Abertura de mercado
Outra iniciativa que apontou para a busca por um equilíbrio dentro do setor foi a política de ampliação da destinação de verbas publicitárias oficiais. Segundo dados da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), em 2003, o orçamento do governo federal para anúncios contemplava 499 veículos em 182 cidades. Em 2009, ele foi para, respectivamente, 7.047 publicações e emissoras em 2.184 municípios. A despeito de um direcionamento de caráter eminentemente regional, a publicidade governamental passou a comprar espaço também em outros veículos como blogs de alinhamento contra-hegemônico, o que não veio sem resistência dos conglomerados.
Uma mudança importante no cenário das comunicações teve início no segundo mandato de Lula. Vários projetos trouxeram propostas para revisar as regras para a TV por assinatura no Brasil. O projeto, que ficou conhecido como PL 29, tramitou no Congresso durante cinco anos e só foi aprovado no governo Dilma. A norma constituiu uma verdadeira “reorganização” do audiovisual pago pelo viés do mercado. Nela, foi selada a separação que reservou a produção de conteúdo à radiodifusão e a oferta do serviço às operadoras de telecomunicações. Além disso, acabou com o limite para o capital estrangeiro nessa atividade, que era de até 49%. Cada agente da cadeia produtiva (produtores e distribuidores de conteúdo) ficou impedido de entrar no negócio do outro. Isso pacificou, mesmo que parcialmente, a tensão entre a radiodifusão – que detém poder político e possui receio das teles avançarem sobre a produção de conteúdo – e o setor de telecomunicações – que controla a infraestrutura mas esbarrava na força regulatória das redes de TV. Como compensação, setores do governo e dos produtores independentes conseguiram incluir reservas de cotas de canais e de produção independente nacionais.
Anseios
Enquanto os conglomerados se debatiam nesse ajuste de mercado, a sociedade civil batalhava com o governo federal e com o empresariado do setor para realizar a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). O objetivo era produzir um espaço participativo de elaboração de sugestões ao poder público nos moldes do que já era feito em di-versos setores, como educação e saúde. Mesmo com a desistência de parte do empresariado, a Confecom foi realizada e aprovou mais de 600 propostas sobre diversos temas relativos à área, constituindo-se como um marco do debate público envolvendo a sociedade civil, o poder público e empresários.
Ainda sem evidências se derivaram da Conferência, duas iniciativas do fi nal do governo Lula pautaram a agenda da gestão de Dilma Rousseff na área das comunicações. A primeira foi a proposta de um novo marco regulatório, anseio antigo das entidades que lutam pela democratização da comunicação. O ministro das comunicações, Paulo Bernardo, chegou a prometer uma consulta pública sobre o assunto que até agora não tem previsão. Essa proposta tornou-se a principal bandeira da entidades que lutam pela democratização da comunicação este ano. A campanha “Para Expressar a Liberdade: uma nova lei para um novo tempo”, coordenada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), vem pressionando o governo para deflagrar no Brasilprocesso semelhante à chamada Ley de Medios aprovada na Argentina.
O segundo projeto promovido pelo governo Lula foi o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL). Inicialmente, o plano apostou na retomada da Telebrás como controladora da rede que reuniria as infraestruturas de fibra ótica de diversas estatais. No entanto, após a entrada de Paulo Bernardo, o PNBL aderiu à linha defendida pelas operadoras de telecomunicações de massificação do serviço por meio de desonerações fiscais.
Perigo
Nos últimos 10 anos, as gestões encabeçadas pelo PT e baseadas em amplas coalizões partidárias apresentaram uma postura amedrontada frente ao desafio de combater de fato o monopólio nos meios de comunicação e garantir que movimentos sociais e grupos historicamente alijados da esfera pública midiática pudessem difundir seus discursos. O poder político e econômico dos conglomerados foi fundamental para que iniciativas democratizantes não fossem levadas à cabo e para que o governo chancelasse a reorganização do marco regulatório do setor segundo a orientação do mercado.
Enquanto os veículos de comunicação comerciais se constituem como ator central do bloco conservador no país, a gestão de Dilma opta por não enfrentar a questão do monopólio no setor e segue engavetando a proposta de um novo marco regulatório para a mídia iniciada de forma tardia pela segunda gestão de Lula e apoiada pela sociedade civil. Essa ‘armadilha do medo’ pode custar caro ao próprio governo Dilma e à democracia brasileira.